quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Crianças

Não quero escrever um texto sobre a melancolia que sinto desde o dia que o João me entregou o macaco (seu companheiro inseparável a partir de 1 ano de idade). Sem nenhuma cerimônia, sem ajuda de psicólogos, nem de universitários, em um dia qualquer, ele apenas me entregou o macaco e falou: “Mãe, não preciso mais dele para dormir. Pode dar para outra criança.” Eu agarrei o macaco e falei: “Ele fica.” Não quero falar sobre o que sinto quando vejo o casaquinho de lã que foi do João bebê e depois da Maria Teresa bebê e agora vive no cantinho do armário. Não quero falar do dia que eu doei o protetor de cama da Maria Teresa e percebi “Meu Deus, esse é o último objeto específico de criança pequena que ainda tínhamos.” 
Eu quero é fazer deste post uma carta de amor para o João ler no futuro. Como já fiz este para a Maria Teresa. E ao mesmo tempo, fazer deste post uma carta para todas as mães que estão sentindo que a fase dos filhos pequenos não vai passar nunca e por isso precisam arrumar um plano de fuga. Não fuja. Vai passar. E vai chegar o dia que você vai pedir para não passar nunca mais.
Querido João,
Nenhum bebê chorou mais do que você. Minha mãe, que teve 10 irmãos e 5 filhos pode confirmar. A primeira vez que você dormiu 4 horas seguidas em uma noite, você tinha 6 meses. Era difícil ficar em casa com você, porque você só chorava. Era difícil viajar ou sair com você, porque você só chorava. E um dia o médico homeopata, responsável pelas suas primeiras 4 horas de sono na vida, me disse: esse menino vai te dar muitas alegrias, tenha paciência. Mas doutor, ele tá acabando comigo. Tenha paciência. Mas ele mama no peito o tempo todo! Ele vai te dar muitas alegrias, essa fase vai passar. Qualquer outra pessoa que tivesse me dito isso, eu teria ignorado. Mas já disse que ele foi o responsável pelas minhas primeiras 4 horas de sono seguidas em 6 meses? Eu fiz tudo o que esse médico falou e realmente, o João só me dá alegria agora. Eu agradeço por ter escolhido não fugir.
Eu poderia ser ainda uma pessoa que trabalha 12, 16 horas por dia e chamar isso de minha identidade. Mas hoje quando você entrou na cozinha e perguntou o que podia fazer para me ajudar e cozinhamos juntos, eu senti uma prazer enorme em ser quem eu sou. Obrigada por me fazer entender que identidade não tem nada a ver com trabalho, mas com o que você faz com a sua vida.
Eu poderia ainda estar gastando a metade do meu salário em roupas e sapatos, mas na sexta feira quando eu entrei na sua escola (para ser voluntária num evento) e você me deu a mão e olhou para os lados me chamando de mãe bem alto para que todo mundo percebesse que sou sua mãe, eu me senti muito mais bonita do que já tinha sentido com as compras caras.
Eu poderia estar cheia de colegas de trabalho bem modernos, super cheios de dicas descoladas, mas quando você está comigo eu percebo que nunca tive uma companhia tão boa. O jeito que você se preocupa com as pessoas, se preocupa em fazer o que é certo, o jeito que você se entrega no que está fazendo e ao mesmo tempo seu humor negro me fazem sentir uma alegria danada de ter construído, ao longo desses 9 anos, essa nossa relação.
Tenho hoje mais olheira do que tinha antes de você nascer, tenho mais rugas (elas viriam de qualquer maneira), perdi o corpo de quem ia na academia 5 vezes por semana. Mas ganhei um companheiro que veio acabar com a minha solidão. Sempre gostei de ficar sozinha e adorava morar sozinha em Lisboa. Mas um dia eu acordei naquela cama grande, comecei a chorar e liguei para minha amiga Kátia dizendo: Kátia, eu não consigo mais acordar sozinha. Ela morreu de rir. Que drama, Cris. Você não vai ficar sozinha para sempre. Eu sei, Kátia, mas precisa ser agora. Porque eu não aguento mais. Era intenso e verdadeiro o que eu senti naquele momento. Era estranho também porque eu de verdade, amava minha vida. Mas Deus ouviu meu pedido. Um ano depois daquele dia, eu estava casada e grávida. E naquela mesma cama, passaram a dormir três.
Os anos passaram voando e agora vejo que um ciclo está se encerrando para dar lugar a um novo. A vida é assim. Nesse mês vou visitar a Kátia em Lisboa (11 anos depois) para o nascimento do seu segundo filho. Nesse mês termina sua escola e esse nosso primeiro ano difícil de adaptação em uma escola não Waldorf. Nesse mês, voltei a trabalhar (meio período) e estar mais fora de casa. Está difícil para mim perceber que cada dia que passa, você cresce mais e fica mais independente. Mas ao mesmo tempo, sinto que chegou o tempo da colheita.
Eu já não acordo no meio da noite com seu choro. Mas eu vou dormir toda noite com o seu abraço.
Eu já não passo horas lendo livros para você.  Mas eu passo os melhores momentos do meu dia ouvindo você me contar sobre os livros que leu.
Eu já não controlo o tempo todo o que você come, mas fico feliz quando você me fala que ganhou 3 pirulitos na escola, mas devolveu 2 dizendo que 1 já era o suficiente. ; )
Eu já não passo horas do meu dia te mostrando na rua a beleza da natureza porque você não é mais um bebê que passa o dia inteiro comigo, mas agora você me mostra toda a beleza que encontra no caminho quando estamos juntos.
Eu já não canto para te acalmar e te fazer dormir, mas é você que me encanta toda vez que pega no seu violão e começa a tocar. (Eu fico escondida atrás da parede ouvindo tudo.)
Eu já não fico com as costas cansadas de tanto te carregar no colo. É você que alivia o peso dos meus ombros toda vez que me dá a mão.
Eu já não me sinto culpada por não conseguir fazer você parar de chorar. Porque você me mostra que eu fiz bem, apenas por ter ficado ao seu lado.
Eu já não preciso ficar sempre de olho em você em casa, mas fico feliz quando você pede para eu ficar perto.
Seu nome eu decidi quando ouvi uma pessoa falar: “Sabe aquela frase do Caetano: Melhor do que o silêncio só o João?” E essas palavras fizeram um click dentro de mim. Era isso, você era o meu João. Eu não sabia que você ia literalmente tirar o silêncio da minha vida (primeiro com os choros intermináveis, depois com as conversas e perguntas intermináveis e agora com a música,) mas você consegue ser melhor do que o silêncio.
João, você me ensina a ser uma pessoa melhor todos os dias. Você não precisava ter mais nada além da bondade, mas tem. Tem talento para a música, é ótimo aluno, super inteligente e atleta. O que mais uma mãe pode querer? Mas aí você me dá essas cartinhas no Dia das Mães:
Carta João 2 antes que eles crescam  carta João 1 antes que eles crescam
Uma memória especial…
Oi mãe, minha memória especial com você é quando você me abraçou quando eu estava chorando. Eu tive um pesadelo e você me ajudou a entender que não havia nada para eu me preocupar.
Querida mãe, Eu te amo porque você me ama também. Você está sempre comigo, me ajuda, cuida de mim e você me fez seu filho e eu amo como você é doce e gentil. Você me faz muito feliz. Você é uma estrela brilhante. Você tem um grande coração.
Eu também te amo, João. E se meu coração é grande, é porque você esticou. Como já te disse, se eu tivesse mil vidas, queria ser sua mãe em todas elas.
Desejo que quem mergulhe na maternidade como eu mergulhei, possa entender que, por mais que pareça que você só está perdendo, (perdendo amigos, perdendo o corpo de antes, perdendo dinheiro, perdendo carreira) acredite, você está ganhando: um sentido maior para a vida.
“Todos nós chegamos até aqui abrindo mão de muita coisa lá atrás. (…) Ali adiante, na hora de fazer um balanço, o valor não estará nos cifrões, a contabilidade será outra: quantos amigos? quantos sorrisos? quanta felicidade? quanto amor?” Martha Medeiros